Taxa de cura da Covid-19 é 50% maior em hospitais privado
Por Edmilson Pereira - Em 4 anos atrás 603
Pacientes com Covid-19 internados em hospitais privados têm taxa de cura 50% maior do que aqueles de instituições públicas. Em média, 51% dos doentes hospitalizados em unidades privadas sobrevivem, índice que cai para 34% nos hospitais públicos.
Os índices de cura nas unidades públicas são menores em estados do Norte e Nordeste. A média é 45% em Pernambuco e 53% no Pará, ante 60% em São Paulo e 79% no Rio Grande do Sul.
Há também mudanças ao longo do tempo. Em períodos de hospitais lotados e grande ocupação das UTIs do SUS, há um maior percentual de mortes. É o que se observa, por exemplo, no Amazonas, primeiro estado a ter o sistema de saúde em colapso, em meados de abril.
No último mês, com maior disponibilidade de leitos de UTI e profissionais de saúde mais experientes, a rede pública aumentou a taxa de cura e a desigualdade foi reduzida em boa parte dos estados —no Ceará, o SUS ultrapassou a rede particular.
Mesmo com a melhora recente, ainda há grande disparidade entre unidades públicas e privadas e entre as regiões do país. O Rio de Janeiro, por exemplo, se mantém como um dos locais em que o abismo entre as duas redes é mais evidente.
Segundo especialistas, não é possível apontar apenas uma causa para essa disparidade, mas um fator importante é a questão das doenças crônicas. O controle das comorbidades, de acordo com infectologistas, é questão-chave na batalha contra a doença. É também um dos quesitos em que as desigualdades sociais mais afetam a saúde da população.
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Os dados são de levantamento feito pela Folha com base no Sistema de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde e consideram os pacientes que foram internados (casos graves) até o dia 20 de junho. Para a análise, foram observados os casos de 66.450 pacientes de hospitais públicos e 57.883 de hospitais privados.
Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), 47 milhões de brasileiros (cerca de 20% da população) têm plano de saúde —logo, acesso a hospitais privados.
Estão classificadas como hospitais privados as instituições mantidas por entidades privadas, ainda que haja convênios para realizar determinados atendimentos pelo SUS.
Em geral, o percentual de doentes com comorbidades que precisam de internação é semelhante nos hospitais públicos e privados. A diferença está nas chances de cura: mais da metade (56%) dos pacientes com doenças crônicas internados nas instituições públicas morre, enquanto nas privadas 58% sobrevivem.
Antonio Bitu, médico intensivista de uma UTI pública e de uma semi-UTI privada de Recife, diz que os doentes da rede pública costumam ter quadro mais grave por causa de comorbidades não tratadas.
“O paciente [da rede pública] vem com problemas de base. Tem insuficiência cardíaca mal tratada, diabetes sem controle. A Covid acaba sendo a gota d’água”, afirma. “Infelizmente, é muita gente que já chega em estado muito grave.”
Doutor em epidemiologia e professor da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), Bruno Pereira Nunes cita vários os fatores que tornam o controle das doenças crônicas mais difícil para quem depende do serviço público, parcela mais pobre e menos escolarizada da população.
Programas como o Saúde da Família melhoraram a realidade do doente crônico no SUS, diz Nunes. Contudo, mesmo quando a atenção primária é adequada, o acesso a consultas com especialistas e exames é complicado. Isso acontece especialmente em cidades do interior e no Norte e Nordeste, onde a concentração de profissionais de saúde, especialmente de médicos, é menor.
Outro ponto diz respeito ao nível de escolaridade, à renda e às condições de vida dos pacientes. Quanto mais escolarizado é o doente, diz Nunes, mais facilmente compreende o tratamento passado pelos médicos e consegue informações sobre seu problema de saúde e o que pode fazer para melhorar.
Já em relação às condições de vida, para além de questões primárias, como saneamento básico, há pontos sobre alimentação e atividades físicas, fundamentais no controle de doenças crônicas. “São pessoas que não têm oferta de local para fazer atividade física, que não conseguem comprar alimentos balanceados. Mesmo tendo a mesma doença, a gravidade vai ser diferente [entre ricos e pobres]”, afirma.
O mesmo afirma a doutora em saúde pública e pesquisadora da FioCruz Bahia Emanuelle Góes: “Doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão e diabetes, têm em grande parte a ver com o modo de vida. Essas pessoas não têm suporte para ter mais qualidade de vida. Isso adoece”.
O descontrole das comorbidades, por sua vez, gera complicações e faz com que a população mais pobre precise com mais frequência de internações e serviços de média e alta complexidade, nem sempre acessíveis.
“Os serviços de média e alta complexidade, mesmo os públicos, estão mais localizados no centro. Mas as pessoas que mais utilizam estão na periferia. Você tem dificuldade de mobilidade, distância. Se é urgência não consegue chegar a tempo, ou precisa rodar a cidade para conseguir uma consulta”, afirma Góes.
Ela aponta ainda questões como racismo institucional, que afeta a qualidade do atendimento recebido pela população negra e faz com que seja preterida, por exemplo, na disputa por vagas e no atendimento em situações de urgência —a maioria dos usuários do SUS são pretos ou pardos— e a dificuldade do Estado em lidar com a alta demanda de atendimento nas unidades públicas de saúde.
Em geral menos cheia, a rede privada consegue levar à UTI pacientes em quadros não tão graves, que, numa situação de disputa de vaga, como se vê mais frequentemente na rede pública, ficariam na enfermaria, segundo relatos de médicos.
No auge da disseminação da Covid-19, usuários do SUS precisaram aguardar em pronto-socorro ou mesmo em ambulâncias, como aconteceu em Manaus, uma vaga na unidade de terapia intensiva.
“A pandemia reafirmou as desigualdades que a gente já observava”, diz Nunes, da Upel. “É preciso reorganizar o serviço público para atender essas pessoas com qualidade. Não é só ter consulta.”
Fonte: Paraíba Notícia e Agência Estado