Juiz do TJ-PB concede liminar e autoriza funcionamento lojas que atuam na venda de veículos seminovos em todo Estado da Paraíba

Juiz do TJ-PB concede liminar e autoriza funcionamento lojas que atuam na venda de veículos seminovos em todo Estado da Paraíba

Por Edmilson Pereira - Em 4 anos atrás 908

O Aluízio Bezerra Filho, do Tribunal de Justiça da Paraíba,  respondendo pela 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital, concedeu liminar, a  um Mandado de Segurança  Nº: 0831047-78.2020.8.15.2001, impetrado pelo Sindicado do Comércio dos Revendedores de   de Veículos do Estado da Paraíba (SINVEP), autorizando que estabelecimentos vinculados que exploram o serviço de venda de veículos seminovos possam funcionar, mediante “atendimento personalizado, sem aglomerações e em locais abertos, amplos e arejados, na cidade de João Pessoa, PB, no período de calamidade pública.

Na Liminar, o juiz Aluízio Bezerra  determina que a administração pública municipal de João Pessoa se abstenha de fechar os estabelecimentos supracitados, bem como de aplicar multas em razão do funcionamento, “desde claro, que todas as medidas sanitárias sejam observadas”.

Foi a segunda decisão que liberou o funcionamento das concessionárias revendedoras de veículos.  A primeira foi fruto de uma decisão do Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos da Paraíba (Sincodiv-PB). A liminar concedida pela 3ª Vara da Fazenda Pública, no entanto, foi derrubada pelo desembargador Oswaldo Trigueiro do Valle Filho.

Do Mandado de Segurança
Sindicado do Comércio dos Revendedores de   de Veículos do Estado da Paraíba (SINVEP), devidamente qualificado nos autos, impetrou Mandado de Segurança Coletivo com Pedido de Liminar contra ato do PREFEITO DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA, SR. LUCIANO CARTAXO PIRES DE SÁ, requerendo, em síntese, a concessão de liminar mediante autorização judicial a fim de assegurar que os todos os estabelecimentos vinculados que exploram o serviço de venda de veículos seminovos possam funcionar mediante “atendimento personalizado, sem aglomerações e em locais abertos, amplos e arejados, na cidade de João Pessoa, PB, no período de calamidade pública, oriunda da Pandemia do COVID19” e, por conseguinte, que a Administração pública Municipal, por meio de seus órgãos de fiscalização, se abstenha de fechar os estabelecimentos supracitados, bem como de aplicar multas em razão do funcionamento, “desde claro, que todas as medidas sanitárias sejam observadas”.

Argumenta que a venda de veículos não resulta em aglomeração de pessoas, visto que se trata de serviço “especializado, individualizado, não massificado, sem grande fluxo de pessoas”. Ademais, sustenta que se trata de serviço essencial a economia do município, em razão dos empregos que precisam ser mantidos e da arrecadação de impostos.

Assevera que contrariamente ao Decreto Municipal nº 9.472, de 17 de abril de 2020 e, em seguida, o Decreto Municipal nº 9.491, de 15 de maio de 2020, os Decretos Estaduais nº 40.188, de 18 de abril de 2020 e nº 40.242, de 16 de maio de 2020, embora tenha ampliado as medidas restritivas com o fim de combater a epidemia do COVID-19, mantiveram a permissão de funcionamento de concessionárias de veículos automotores e motocicletas, oficinas mecânicas, borracharias e lava jatos.
Com base no exposto, requer a concessão de liminar nos termos supracitados.

Juntou documentos.
Custas iniciais recolhidas.
É O RELATÓRIO.
DECIDE-SE.
DECRETO ABSTRATO DE EFEITO CONCRETO
De proêmio, necessário evidenciar a premissa jurídica que rege a matéria. Nesse passo, enuncia o art. 5o, inc. LXIX, da Constituição Federal de 1988:
“Art. 5º …  LXIX. conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público”.

A partir da premissa jurídica acima evidenciada, cumpre fazer o juízo de admissibilidade do writ impetrado perante este Juízo, antes de analisar propriamente o pedido inicial.
O Decreto municipal nº 9.491/2020, estabelece no seu art. 11 que:

Art. 11 – A inobservância do disposto neste Decreto sujeita o infrator às penas previstas no art. 10 da Lei nº 6.437/1977.
Parágrafo único – Sem prejuízo das demais sanções civis e administrativas, a inobservância deste Decreto pode acarretar a incidência do crime de infração de medida sanitária preventiva de que trata o art. 268 do Código e outros do Código Penal.

O efeito concreto de imediato foi o fechamento das lojas do ramo dos membros do Autor, atingindo diretamente o direito de trabalhar de forma livre como assegura a Constituição, como princípio fundamental, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Os membros do Autor estão legalizados perante os governos federal, estadual e municipal, mas impedidos de desenvolver suas atividades profissionais por força do aludido Decreto.
A edição do citado Decreto incide diretamente do mundo jurídico dos integrantes do quadro do Autor para produzir efeitos concretos com a paralisação de suas atividades comerciais.
O Decreto produziu o efeito concreto de paralisar o comércio praticado pelos membros do Autor.

Como demonstrado, não há dúvida o efeito concreto do aludido Decreto.
Como se verifica, a ação constitucional do mandado de segurança não é cabível contra lei em tese, conforme enunciado n. 266 da súmula de jurisprudência dominante do e. Supremo Tribunal Federal, mas contra Decreto de efeito concreto que inviabilizou o exercício profissional da categoria do Autor.

Tal interpretação deve ser entendida como lei em sentido material, compreendendo qualquer ato normativo de caráter geral e abstrato, o que, em tese, também envolve atos normativos de inferior hierarquia, tais como decretos, regulamentos, resoluções etc.

De forma, se do ato normativo, administrativo que for, puder gerar efeitos concretos, como é o caso do ato impugnado pelo impetrante, contra ele será cabível o mandado de segurança.

Leciona HELY MEIRELLES que:
“por leis e decretos de efeitos concretos entendem-se aqueles que trazem por em si mesmos o resultado específico pretendido, tais …como as que proíbem atividades ou condutas individuais”. Tais leis ou decretos nada têm de normativos; são efeitos concretos revestindo a forma imprópria de lei ou decreto por exigências administrativas. Atuam concreta e imediatamente como qualquer ato administrativo de efeito individuais e específicos; razão pela qual se expõem ao ataque pelo mandado de segurança .

E arremata:
Em geral, decretos e demais atos proibitivos são sempre de efeitos concretos, pois atuam direta e imediatamente sobre seus destinatários” .
Sobre a temática, o Superior Tribunal de Justiça, de forma reiterada, ampara o conhecimento deste writ, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LEILÃO DE VEÍCULOS APREENDIDOS POR INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. IMPETRAÇÃO CONTRA RESOLUÇÃO QUE DESIGNA SERVIDORES PARA COMPOR QUADRO DE LEILOEIROS ADMINISTRATIVOS. ATO NORMATIVO DE EFEITOS CONCRETOS.

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que é possível a impetração de mandado de segurança contra ato normativo de efeitos concretos que incida diretamente na esfera jurídica do impetrante. Precedentes.

2. Na hipótese, a Resolução Conjunta SEPLAG/PCMG/DER n. 8.783, de 23/11/2012, ao designar servidores para compor o quadro de leiloeiros administrativos do DETRAN/MG, impactou diretamente no desempenho da função pelos leiloeiros profissionais autônomos representados pelo impetrante, causando-lhes prejuízo concreto.

3. Desse modo, sem adentrar o mérito acerca da eventual comprovação do direito líquido e certo que se reputa violado ou da procedência dos pedidos mandamentais, fato é que o mandado de segurança deve ser processado, afastando-se o fundamento de que visa somente atacar lei em tese.

4. Agravo interno não provido.
(STJ – AgInt no RMS 45.260/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/04/2020, DJe 24/04/2020)
PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMITAÇÃO À COBRANÇA DE ESTACIONAMENTO. SHOPPING CENTER. LEI ESTADUAL. IMPUGNAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. DESCABIMENTO. ILEGITIMIDADE ATIVA. SÚMULA 7/STJ. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. (…) 3. No que concerne à possibilidade jurídica do pedido, o acórdão recorrido destacou que o mandado de segurança não se voltou contra lei em tese, mas quanto aos efeitos concretos dela decorrentes, especificamente no que diz respeito à pretensão de realizar a cobrança pelo serviço de estacionamento. 4. Desse modo, é inaplicável o óbice da Súmula 266/STF quando o impetrante, sob o argumento da invalidade do ato normativo, busca não se submeter a seus efeitos concretos, como ocorreu na situação em apreço. (…) (REsp 1014965/AM, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 27/3/2018).

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. POLICIAL MILITAR. LIMITAÇÃO DO VALOR PAGO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO DE ESTÍMULO OPERACIONAL. DECRETO ESTADUAL QUE RESTRINGE LEI COMPLEMENTAR. IMPETRAÇÃO DIRIGIDA CONTRA ATO CONCRETO QUE INCIDE DIRETAMENTE NA ESFERA JURÍDICA DO IMPETRANTE. VIABILIDADE DA AÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de ser possível a impetração de mandado de segurança contra ato normativo, de efeitos concretos, que incide diretamente na esfera jurídica do impetrante. Precedentes. 2. Na espécie, o malsinado Decreto estadual n. 2.697/2004 ofendeu direito subjetivo, líquido e certo do ora agravado, o que autoriza a sua impugnação pela via mandamental. 3. Agravo regimental improvido (STJ – AgRg no RMS 24.986/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 12/9/2013).

MANDADO DE SEGURANÇA. ATO ADMINISTRATIVO. EFEITOS. RESOLUÇÃO SF 12/89 DO SECRETARIO DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO. TODA VEZ QUE O ATO ADMINISTRATIVO, POR SUA NATUREZA, PRODUZIR EFEITOS CONCRETOS E IMEDIATOS, PERDE ELE SUA CARACTERÍSTICA DE ATO NORMATIVO. RECURSO PROVIDO. (RMS 501/SP, Rel. Min. José de Jesus Filho, Segunda Turma, DJ 3/2/1992, p. 449) .

Não é só o STJ, o STF também assim se posiciona:

“Se o decreto é, materialmente, ato administrativo, assim de efeitos concretos, cabe contra ele mandado de segurança. Todavia, se o decreto tem efeito normativo, genérico, por isso mesmo sem operatividade imediata, necessitando, para a sua individualização, da expedição de ato administrativo, contra ele não cabe mandado de segurança (Súmula 266).” (STF, Pleno, MS 21.274, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 10.2.1994, DJ 8.4.1994.)

Depreende-se assim, trata-se de um Decreto que afronta diretamente direitos fundamentais (Art. 1º, IV, Art. 5º , XIII), e art. 170 da Constituição Federal, que impediu, de imediato, o exercício desses direitos, produziu efeitos concretos que impõe o seu exame pela via mandamental, remédio constitucional para atacar abuso de poder e atos de ilegalidade, especialmente, quando ingressa no mundo jurídico do Impetrante a partir da sua publicação.

Não há como negar, os efeitos concretos do Decreto quando paralisou a atividade comercial do integrante desta categoria, e ameaçados de punição civil, administrativa e penal.

Para que não se alegue ausência de comprovação do alegado, é fato público e notório o fechamento dos estabelecimentos de veículos na Capital.

Só registrando, que cabe ao PROCON lavrar os autos de infração e embargar os estabelecimentos que venham a descumprir do aludido Decreto.

Portanto, é inconteste e incontroverso, a demonstração dos efeitos concretos do Decreto na vida jurídica da categoria do Autor.
A

nte o exposto, ADMITE-SE O WRIT PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 266/STF.

DISPENSA DA OITIVA PRÉVIA DO PODER PÚBLICO
Compulsando os autos verifica-se que a impetrante é parte legítima para impetração da presente ação mandamental coletiva, em face da evidente pertinência temática.
Pois bem. Em se tratando de mandado de segurança coletivo no qual há interesse de pessoa jurídica de direito público, a liminar, em regra, só poderá ser deferida após a oitiva do representante judicial da pessoa jurídica, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas horas), conforme exigência disposta no § 2º, do art. 22, da Lei 12.016/2009.
Sem prejuízo do acima disposto, considerando que a demora na análise do pedido de liminar impede o funcionamento do comércio de revendedores de veículos automotores seminovos e usados causando dano grave aos associados, fato que, no meu entendimento, autoriza, excepcionalmente, a análise da liminar sem manifestação do representante judicial da pessoa jurídica.
A respeito deste temática, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu de forma recorrente:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCESSÃO DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, SEM A PRÉVIA OITIVA DO PODER PÚBLICO. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. I. […] V. A jurisprudência do STJ, “em casos excepcionais, tem mitigado a regra esboçada no art. 2º da Lei 8437/1992, aceitando a concessão da Antecipação de Tutela sem a oitiva do poder público quando presentes os requisitos legais para conceder medida liminar em Ação Civil Pública” (STJ, AgRg no Ag 1.314.453/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 13/10/2010). VI. Assim, estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, merece ser mantida a decisão ora agravada, em face do disposto no enunciado da Súmula 568 do STJ. (STJ – AgInt no AREsp 1238406/PE, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe 27/06/2018)

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR CONCEDIDA, EXCEPCIONALMENTE, SEM OITIVA PRÉVIA DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. ART. 2º DA LEI N. 8.437⁄1992. POSSIBILIDADE. 1. Cinge-se a controvérsia dos autos se é possível a concessão de liminar, sem oitiva prévia do município, nos casos de ação civil pública. 2. O entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça permite, excepcionalmente, em especial para resguardar bens maiores, a possibilidade de concessão de liminar, sem prévia oitiva da pessoa jurídica de direito público, quando presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública. Precedentes. AgRg no REsp 1.372.950⁄PB, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA; AgRg no Ag 1.314.453⁄RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA;REsp 1.018.614⁄PR, Rel. Min. ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA; REsp 439.833⁄SP, Rel. Min. DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA. 3. A iterativa jurisprudência desta Corte é no sentido de que, para analisar os critérios adotados pela instância ordinária que ensejaram a concessão ou não da liminar ou da antecipação dos efeitos da tutela, é necessário o reexame dos elementos probatórios, o que não é possível em recurso especial, dado o óbice da Súmula 7 desta Corte. Agravo regimental improvido” (STJ, AgRg no AREsp 580.269⁄SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 17⁄11⁄2014).
Assim, pois, AO EXAME DO PEDIDO LIMINAR.

FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
O cerne deste mandamus é assegurar judicialmente aos estabelecimentos vinculados ao sindicato impetrante o direito de funcionamento do comércio de veículos seminovos no Município de João Pessoa, durante o período de calamidade pública ocasionado pela pandemia do COVID-19.

Antes de adentrar no mérito da postulação de proteção jurisdicional requerida, é importante ressaltar nesse contexto de pandemia as situações de privilégios profissionais e regalias financeiras vivenciadas pelo segmento estatal.

Para os agentes públicos, com as exceções do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, TCE, Poder Legislativo, e aqueles dos serviços considerados essenciais, a comodidade de percepção garantida de seus vencimentos, mesmo sem trabalhar, o ócio remunerado, enquanto os trabalhadores da indústria, comércio e profissionais liberais, que só ganham salários se trabalharem, o pesadelo do desemprego e a falta de recursos para seus sustentos.

Noutra vertente, surge a zona de conforto dos Estados e Municípios, que têm suas dívidas com a União e os empréstimos com Bancos Oficiais suspensos, recebem da União a compensação pela perda de suas arrecadações, e recebem recursos de cifras consideráveis para a área de saúde, portanto, sem problema de caixa.

Como se vê, é um cenário sugestivo de acomodação que contempla os interesses oficiais, ainda mais com a vantagem de dispensa de licitação por conta do estado de calamidade.
Enquanto isso, tem-se o setor produtivo do país definhando, a falência de empresa ganha espaço e a escalada do desemprego.

De forma que, deve-se considerar esse aspecto sombrio de um cenário da nossa realidade na avaliação da pretensão deduzida na exordial.  Assim é que, o Mandado de Segurança é o remédio processual destinado a amparar, de modo expedito, direito líquido e certo violado ou ameaçado de violação, por ato de autoridade ilegal ou praticado com abuso de poder (Lei nº 12.016/2009, art. 1º).

Consoante dispõe o artigo 7º, inciso III, da Lei nº 12.016/2009, o deferimento de liminar no mandado de segurança exige a verificação de requisitos essenciais, consubstanciados no periculum in mora e o fumus boni iuris.

Pois bem. Entende-se por fundamento relevante aquele decorrente da existência de prova robusta que permita ao magistrado formar seu convencimento provisório acerca dos fatos alegados, aliado a um juízo de probabilidade favorável ao impetrante, tanto em relação à existência do direito invocado e da sua violação por ato abusivo ou ilegal de autoridade, bem como da subsunção da situação fática relatada por ele a este direito.

A Lei Federal nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, que dispõe acerca das formas de enfrentamento em todo o território nacional do COVID-19, estabelece em seu art. 3º, incisos I a VIII, que poderão ser adotadas as seguintes medidas: I) do isolamento; II) quarentena; III) determinação de realização compulsória de exames de saúde; IV) estudo ou investigação epidemiológica; V) exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver; VI) da restrição excepcional e temporária por rodovias, portos ou aeroportos, de entrada e saída no país e de locomoção interestadual e intermunicipal; VII) requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas e VII) autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa considerados essenciais para auxiliar no combate à pandemia do coronavírus.
O § 8º do artigo supracitado merece importante destaque, visto que orienta que a aplicação das medidas de enfrentamento do COVID-19 deve resguardar o exercício e funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais.

O Decreto Federal nº 10.282/2020, norma regulamentadora que define em âmbito nacional os serviços e as atividades essenciais, define por meio de seu § 1º, do art. 3º, que “são serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tais como:”. Colhe-se da expressão “tais como” que o rol de serviços e atividades não é exaustivo, mas meramente exemplificativo.
Especialmente no que concerne às atividades que envolvem veículos automotivos, o Decreto Federal nº 10.359/2020 inseriu no art. 3º os incisos XLIV e XLVI, in verbis:
XLIV – atividades de comércio de bens e serviços, incluídas aquelas de alimentação, repouso, limpeza, higiene, comercialização, manutenção e assistência técnica automotivas, de conveniência e congêneres, destinadas a assegurar o transporte e as atividades logísticas de todos os tipos de carga e de pessoas em rodovias e estradas;
(…)

XLVI – atividade de locação de veículos;
Conforme noticiado pelo impetrante, o Estado da Paraíba editou o Decreto nº 40.188/2020 e, posteriormente, o Decreto nº 40.242/2020, ambos permitindo o funcionamento de concessionárias de veículos.

Veja-se:  Decreto nº 40.188 de 17 de abril de 2020
Art. 1º
(…)
§ 2º Fica permitido, a partir de 20 de abril de 2020, o funcionamento de concessionárias de veículos automotores novos e usados, vedando-se a aglomeração de pessoas e observando o horário de funcionamento estabelecido nos decretos municipais que regulamentarem a matéria.

Decreto nº 40.242 de 16 de maio de 2020
Art. 1º   (…)
§ 5º Não incorrem na vedação de que trata este artigo o funcionamento das seguintes atividades e serviços:
(…)
XIII – concessionárias de veículos automotores e motocicletas, oficinas mecânicas, borracharias e lava jatos;
Na linha contrária, o Município de João Pessoa edita o Decreto Municipal nº 9.472, de 17 de abril de 2020 e, em seguida, o Decreto Municipal nº 9.491, de 15 de maio de 2020, proibindo o funcionamento de concessionárias de veículos automotores.

Com efeito, em recente decisão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, nos autos da Ação Direta de inconstitucionalidade (ADI) 6341, entendeu que a edição de medidas de enfrentamento ao COVID-19 é de competência concorrente da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Ressaltando que “a União pode legislar sobre o tema, mas que o exercício desta competência deve sempre resguardar a autonomia dos demais entes. No seu entendimento, a possibilidade do chefe do Executivo Federal definir por decreto a essencialidade dos serviços públicos, sem observância da autonomia dos entes locais, afrontaria o princípio da separação dos poderes”.

Sabe-se da importância dada pelo Novo Código de Processo Civil aos precedentes e jurisprudências, devendo o julgador aplicar o precedente ou demonstrar a distinção entre o caso o julgamento do caso concreto e o precedente.

No caso em análise, o principal argumento trazido pelo impetrante é que o serviço de venda de veículos é permitido de acordo com os decretos estaduais, contudo proibido no âmbito municipal.
É certo que a Constituição conferiu aos municípios a chamada competência suplementar, portanto, no uso de sua competência, pode suprir lacunas da legislação federal e estadual, regulamentando as respectivas normas para ajustar às peculiaridades locais, bem como disciplinar assuntos de interesse local.
Sabe-se, conforme anteriormente ventilado, que o Supremo Tribunal Federal adotou o entendimento de que as medidas de enfrentamento ao COVID-19 devem observar a autonomia dos entes locais.

Pois bem. No caso de regiões metropolitanas, como é o caso da “Grande João Pessoa”, a predominância do interesse local, sobretudo no que concerne às normas de proibição de comércio e atividades, editadas nesse momento de pandemia, deve ter por base os municípios interligados, sob pena de a medida não ser efetiva – deslocamento da população para o município vizinho a fim de consumir o serviço/produto -, bem como prejudicar a livre concorrência.
Aliás, no caso de serviço de venda de veículos, os efeitos acima exemplificados se concretizam de forma clara, já que as concessionárias de municípios vizinhos continuam realizando suas atividades, conforme noticiado nos autos pelo impetrante.

DESVIO DE FINALIDADE
No caso em análise, pois, a proibição de funcionamento dos estabelecimentos vinculados ao impetrante que exploram o serviço de venda de veículos seminovos e, por conseguinte, a aplicação de multas em caso de funcionamento, viola os princípios da livre concorrência, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, já que é por meio do trabalho que se tem assegurado as condições de subsistência do trabalhador (empresário e seus funcionários).

Como se vê, a finalidade das normas (Federal, Estadual e Municipal) consiste em suspender atividades comerciais que causem ou provoquem aglomerações de pessoas, circunstância favorável a transmissão do coronavírus, o que não acontece nas revendas de veículos, onde o atendimento é individualizado, e não se vê amontoado de pessoas.
A normatividade visa exclusivamente evitar aglomerações em atividades que promova o ajuntamento de pessoas para atender ao interesse público de proteção à vida e a saúde.
Não é finalidade das normas sustar atividades profissionais sem justa causa, apenas por interesses outros que não atendem aos seus objetivos.
Depreende-se assim, um típico desvio de finalidade, quando a autoridade atuando dos limites de sua competência pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público (MEIRELLES, 1990).

No caso vertente esse desvio de finalidade ganha contorno de abuso de poder por ultrapassar os limites das atribuições ou se desvia das finalidades administrativas.
O que o interesse público exige são medidas que evitem adensamento de pessoas, e não impedir que trabalhem de forma individual com cautelas sanitárias adequadas.
Registre-se, por oportuno, que nos princípios fundamentais da Constituição Federal está os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (Art. 1º, IX).
A vedação por teimas midiáticas improdutivas se mostra incompatível com aqueles princípios.

Ademais, decorridos mais de 80 (oitenta) dias de isolamento social, o seu fracasso estaria vinculado ao protocolo médico da rede pública de prescrever paracetamol e ficar em casa, e só procurar o hospital quando agravar; aí tem sido tarde.

Na rede privada o índice de letalidade é mínimo, já na rede pública é uma triste realidade de sucessivos óbitos, como tem sido veiculado pela mídia.
Esse aspecto relevante é proclamado pelo manifesto de mais de 80 (oitenta) médicos que defendem o combate no primeiro sintoma com a distribuição de antibióticos e antivirrais gratuitamente, fato público e notório.

A Constituição da República não tem espaço para discriminação entre cidadãos; não pode haver categorias diferentes. Todos são iguais perante à lei.
Mas quando a autoridade descamba para o desvio de finalidade ou abuso de poder a legitimidade de seus atos devem ser questionados.

Nessa perspectiva MONTESQUIEU demonstrou a necessidade da existência dos contrapoderes ao observar:
“É uma experiência eterna que todo homem que tem poder vê-se impulsionado a abusar do mesmo, chegando até mesmo onde encontrar uma barreira. As circunstâncias e a superficialidade reduzem todo o princípio da limitação do poder ao sistema formal da separação dos poderes”
De forma que as normas deslegitimadas por não atender seus objetivos essenciais se mostram desarrazoadas com suas disfuncionalidades sociais que surtem efeitos danosos ao meio social, no caso, o setor produtivo privado, que gera riqueza e faz circular renda.
A

legitimidade racional funda-se em ideias, valores, considerações de meios e fins. Procura sustentar-se em uma ideologia coerente que explica por que deve exercer o poder sobre os demais. Para esse tipo de legitimidade, o poder retira sua validade de normas que regulam sua aquisição, exercício e limitações. A fonte do poder se explica pela razão .
Como se vê, o exercício do poder deve ser regido pela razão e sua utilidade em favor dos membros da sua sociedade.
P

PARECER TÉCNICO DA ANVISA: INEXISTÊNCIA

No julgamento da ADI N. 6.41/DF, a medida liminar deferida pelo ministro Marco Aurélio, e posteriormente referendada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, ficou convalidada a Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020, relativamente às alterações promovidas no artigo 3º, cabeça, incisos I, II e VI, e parágrafos 8º, 9º, 10 e 11, da Lei federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

Eis o teor dos preceitos impugnados:
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:
I – isolamento;
II – quarentena […]
VI – restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de:
a) entrada e saída do País;
b) locomoção interestadual e intermunicipal; […]
§ 8º As medidas previstas neste artigo, quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais.
§ 9º O Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais a que se referem o § 8º.
§ 10. As medidas a que se referem os incisos I, II e VI do caput, quando afetarem a execução de serviços públicos e atividades essenciais, inclusive as reguladas, concedidas ou autorizadas, somente poderão ser adotadas em ato específico e desde que em articulação prévia com o órgão regulador ou o Poder concedente ou autorizador.

Como se vê, o Supremo Tribunal Federal conferiu eficácia e validade ao art. 3º da aludida Lei de conversão de Medida Provisória estabelece prévia avaliação técnica da ANVISA quando afetarem a execução de serviços públicos e atividades essenciais, inclusive as reguladas, concedidas ou autorizadas.
Com efeito, é os decretos locais devem observar a necessidade de avaliação técnica prévia da ANVISA quando implementarem medidas restritivas, como pressuposto de validade e fundamentação dos Éditos.

Nesse sentido, e a título de ilustração, segue decisão do Presidente do STF quando negou pedido de suspensão do Município de Teresina-PI de liminar concedida para manter em funcionamento a cervejaria AMBEV, cujos trechos, no que interessa, ficou assim:

“Assim, muito embora não se discuta, no caso, o poder que detém o chefe do executivo municipal para editar decretos regulamentares, no âmbito territorial de sua competência, no caso concreto ora em análise, para impor tal restrição à circulação de pessoas, deveria ele estar respaldado em recomendação técnica e fundamentada da ANVISA, o que não ocorre na espécie.
A própria decisão cautelar, proferida pelo eminente Ministro Marco Aurélio, nos autos da ADI nº 6.341/DF, aborda a possibilidade da edição, por prefeito municipal, de decreto impondo tal ordem de restrição, mas sempre amparado em recomendação técnica da ANVISA.

Fácil constatar, assim, que referido decreto carece de fundamentação técnica, não podendo a simples existência da pandemia que ora assola o mundo, servir de justificativa, para tanto.
Não é demais ressaltar que a gravidade da situação por todos enfrentada exige a tomada de providências estatais, em todos as suas esferas de atuação, mas sempre através de ações coordenadas e devidamente planejadas pelos entes e órgãos competentes, e fundadas em informações e dados científicos comprovados.
Bem por isso, a exigência legal para que a tomada de medida extrema, como essa ora em análise, seja sempre fundamentada em parecer técnico e emitido pela ANVISA.
Ante o exposto, nego seguimento à presente suspensão de segurança (art. 21, § 1º, do RISTF), prejudicada a análise do pedido de cautelar. (STF – SS n. 5.362 PIAUÍ – Presidente Ministro Dias Tofolly, 07/03/2020)

Como se vê, os Decretos enfocados colidem frontalmente com a Lei Federal, referendada pelo Supremo Tribunal Federal, e adotada por este em suas decisões, por não conterem a fundamentação técnica embasada em recomendação da ANVISA.
Se constata assim, que os Decretos restritos não podem se basear em ato de vontade, palpites ou suposições penadas, mas em recomendação técnica da ANVISA.
Aqui deve-se invocar o princípio da legalidade, a que está sujeito todo agente público, como preceitua a Lei de Improbidade Administrativa , que é cumprir e respeitar integralmente à legislação vigente.

Sem a existência de parecer prévio da ANVISA, os Decretos não são válidos e eficazes.
Assim, a respeito da pretensão de provimento judicial provisório, medida liminar, impende-se demonstrar na postulação as presenças cumulativas atinentes aos requisitos autorizativos à sua positivação.

O periculum in mora se apresenta com a vedação ao direito ao trabalho que proporciona perda financeira para o desenvolvimento de sua atividade profissional, porquanto, ficaria sem receita e com despesas administrativas, operacionais e tributárias para desembolsar. É o risco do direito que impõe urgência ao deferimento da medida postulada.
No que alude a relevância dos fundamentos do pedido, um dos pressupostos para a concessão da liminar, ficou evidenciado com a demonstração da densidade jurídica da postulação.
O juízo de probabilidade na cognição sumária da situação de aparência exposta, traz grau intenso de liquidez do direito vindicado, conferindo-lhe à proteção jurisdicional.
Note-se que a finalidade do Direito está no valor justiça.

DECISÃO
Ante o exposto, com fundamento no art. 7º, inc. III, da 12.016/2009, DEFERE-SE A MEDIDA LIMINAR para:
a) assegurar que os todos os estabelecimentos vinculados ao impetrante, que exploram o serviço de venda de veículos seminovos, possam funcionar mediante atendimento personalizado, sem aglomerações e em locais abertos, amplos e arejados, mediante adoção de todas as medidas necessárias para resguardar a saúde de seus trabalhadores e clientes, mediante as seguintes providência:
1) o uso de máscaras para funcionários e clientes;
2) disponibilidade de álcool gel para todos no ambiente de atendimento e trabalho;
3) atendimento individualizado, afastando qualquer aproximação ou ajuntamento de pessoas.
4) essas providências ficam valendo até o final da pandemia ou liberação pela autoridade competente.
b) determinar que a Administração pública Municipal, por meio de seus órgãos de fiscalização, PROCON, ou qualquer outro, se abstenha de fechar os estabelecimentos supracitados, bem como de aplicar multas em razão do funcionamento, desde que as medidas de segurança sejam devidamente observadas.
c) Em caso de descumprimento fica estipulada multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), de responsabilidade pessoal da autoridade competente, sem prejuízo de representação por ato de improbidade administrativa e crime contra a administração pública.
Esta decisão serve como ofício para fins de intimação.
Notifique(m)-se a(s) autoridade(s) impetrada(s) para que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações (Art. 7º, I, da Lei n. 12.016/2009).

Cientifique-se, ainda, o órgão de representação judicial MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA/PB, nos termos do inciso II do art. 7º da Lei nº. 12.016/2009 para, querendo, ingressar no feito.
Tão logo recebida as informações, encaminhem-se os autos ao Ministério Público, para parecer, em conformidade com o disposto no art. 12 da Lei nº. 12.016/2009.
Publique-se.
Intimem-se.

João Pessoa, 08 de Junho de 2020.

Aluízio Bezerra Filho
Juiz de Direito em Substituição