Governo de Lula larga na contramão do que levou ao sucesso de seus dois mandatos anteriores

Governo de Lula larga na contramão do que levou ao sucesso de seus dois mandatos anteriores

Por Edmilson Pereira - Em 2 anos atrás 471

Ao defender furar o teto de gastos como “responsabilidade social” e tentar manter fora da atual âncora fiscal despesas do Bolsa Família ressuscitado, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) embarca na contramão do caminho que levou ao sucesso de seus dois governos, entre 2003 e 2010.

Estimativas apontam um valor de R$ 175 bilhões ao ano, equivalente a cerca de 2% do PIB, o que o novo governo quer manter fora do teto ao longo de seu mandato.

O valor pressionará o aumento da dívida pública e tornará muito difícil a Lula conseguir terminar seu governo (com esse montante de despesas adicionais) realizando um superávit primário de 2% do PIB, considerado necessário para estabilizar a dívida pública em relação ao PIB.

O superávit primário é a economia que o governo deveria fazer, entre arrecadação e despesas, para pagar juros da dívida pública. Se não o faz, a dívida aumenta, e o mercado exigirá juros cada vez mais altos do governo para financiá-lo.

Isso compromete investimentos produtivos e encarece empréstimos a consumidores, derrubando a economia. Também acaba levando a mais inflação, à medida que o governo terá de emitir dinheiro para financiar gastos e o pagamento de juros, desembocando em um cenário de estagflação (recessão com inflação).

Dados dos últimos 20 anos deixam claro que a responsabilidade fiscal e os superávits primários foram fundamentais para que Lula fizesse mais pelo social –como diz ser sua prioridade agora.

Ao realizar superávits todos os anos, entre 2003 e 2010, para reduzir a dívida pública, Lula obteve taxa média anual de crescimento do PIB de 4% (quase o dobro da era FHC), baixou o desemprego, a miséria, a inflação, o dólar e aumentou os investimentos no país.

Isso ocorreu pelo fato de os agentes econômicos (empresas, mercado financeiro, empreendedores) confiarem na solvência do país com a diminuição da dívida pública proporcionada pelos superávits.

Com isso, o governo conseguiu pagar juros mais baixos para se financiar, afastando a necessidade de um eventual aumento da carga tributária para pagar a dívida. Deu-se, então, um ciclo virtuoso de crescimento sustentável.

Ponto que Lula mais enfatiza em seus discursos, o período de superávits contribuiu para que seu governo cortasse à metade o total de miseráveis no Brasil, de 29% em 2003, para 14% em 2010.

A taxa de pobreza extrema inclusive continuou caindo quando ele deixou a Presidência. Mas só até quando sua sucessora, Dilma Rousseff, interrompeu o controle de gastos e deixou de fazer superávits, a partir de 2014. A partir dali, todos os indicadores pioraram, e o Brasil viveu a estagflação ao final do governo Dilma.

O longo período de baixo crescimento que se seguiu ao fim dos superávits em 2014 afetou diretamente os mais pobres e os trabalhadores informais, agora alvos de programas sociais como o Auxílio Brasil e da polêmica em torno da responsabilidade fiscal versus social.

É bastante provável que, se o Brasil tivesse mantido as contas em ordem, a queda da renda e o aumento da informalidade não teriam sequer existido nos últimos anos. Pois foi quando empresários e o mercado passaram a apostar, a partir de 2014, que haveria um estouro na dívida pública que eles reduziram drasticamente investimentos no Brasil.

O resultado dessa retração diante do descontrole fiscal acabou afetando sobretudo aqueles que Lula agora diz querer ajudar. Quanto mais pobre, maior é hoje o grau de informalidade no trabalho –e maior a queda de renda na última década.

O período de desarranjo das contas públicas e de baixo crescimento foi tão agudo que até mesmo o aumento da escolaridade dos mais pobres foi insuficiente para que conseguissem aumentar sua renda.

Na metade mais pobre do país, enquanto os anos de estudo aumentaram 27% entre 2012 e 2021, a renda caiu 26,2%. É como se todo o esforço educacional deles não tivesse surtido efeito algum –ao menos em termos de renda– por conta do baixo crescimento engendrado pelo fim da responsabilidade fiscal.

A grande questão agora é como retomar a responsabilidade fiscal (e os superávits primários) em um cenário de Orçamento apertado e com imensas demandas sociais.

Persio Arida, da equipe de transição de Lula, defendeu nesta semana a necessidade de “revisar os gastos” do governo. “Vemos camadas e camadas de gastos que perderam o sentido”, disse.

Sobre esse ponto, o Brasil deixa de arrecadar mais de R$ 300 bilhões todos os anos com benefícios tributários concedidos a empresas e setores –quase o dobro do que a chamada PEC da Transição poderá custar para adequar o Orçamento de 2023 e atender as promessas de campanha de Lula.

Os chamados benefícios tributários, financeiros e creditícios a setores e empresas dobraram nos governos Lula e Dilma e hoje equivalem a quase 4,5% do PIB. Grande parte deles refere-se ao Simples, que tem levado muitos empresários individuais a pagarem, proporcionalmente, menos impostos.

Mas, mesmo que se mantenha o Simples, especialistas veem muito espaço para cortes nesses benefícios. E análise do Banco Mundial sobre políticas de incentivos em Brasil, Austrália, Canadá, Coreia do Sul e México concluiu que só o caso brasileiro resultou na combinação de aumento dos gastos tributários e queda na arrecadação –sugerindo que eles não aceleraram o crescimento.

O Brasil também gasta cerca de 25% do PIB (R$ 2,2 trilhões) na área social, incluindo saúde, educação e Previdência. Enquanto vigorou, o Bolsa Família consumia pouco mais de 0,5% do PIB (cerca de 43,5 bilhões a preços de 2021), sendo bem-sucedido por conta da focalização.

Especialistas defendem, por exemplo, um programa que chegasse a 1% do PIB (quase R$ 90 bilhões), mas muito bem focalizado e que leve em conta as vulnerabilidades de cada família e número de filhos, entre outros fatores.

A proposta de Lula prevê, ao contrário, um valor linear de R$ 600 a todos os atendidos, independentemente do tamanho da família e de suas necessidades. Isso só torna o programa mais caro e sem foco naqueles realmente na pobreza extrema –aproximadamente 14% dos brasileiros.

Diante da precariedade das contas públicas e da experiência pregressa, Lula e equipe poderiam se debruçar sobre o que deu certo, e onde é possível economizar e melhorar a eficiência da despesa pública.

Como a trajetória de Lula e Dilma na Presidência demonstrou, há dois caminhos a seguir. Lula parece estar pegando a via errada.

Fonte: Folha Press

Foto: Divulgação