Condenado a 19 anos de prisão, ex-araponga de bicheiro monta empresa de ‘inteligência’ e é recebido no Planalto e no Congresso
Por Edmilson Pereira - Em 3 minutos atrás 1
Um antigo agente do submundo do poder está de volta à plena atividade na capital federal. Conhecido por serviços de arapongagem prestados a empresários, políticos, policiais e ao PT nos idos dos anos 2000, Idalberto Matias de Araújo, o Dadá, acaba de abrir uma empresa de inteligência em Brasília e circula por corredores do Palácio do Planalto e do Congresso.
As portas do poder só foram reabertas ao 3º sargento da reserva da Aeronáutica após a reascensão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em liberdade apesar de condenado a 19 anos de prisão, Dadá já foi recebido por integrantes da Casa Civil, da Secretaria de Relações Institucionais, da Secretaria-Geral e da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República.
Aos 64 anos, ele também virou “habitué” de gabinetes da Câmara e do Senado e atua em sintonia com o deputado Vander Loubet (PT-MS). O sargento não quis dar entrevista. A Secom afirmou que a recepção ao sargento não serviu para tratar de serviços prestados por ele.
Nas duas últimas décadas, Dadá se envolveu em escândalos que marcaram a política nacional. O principal deles foi consequência dos serviços prestados ao bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, personagem que provocou um “terremoto” em Brasília depois de ser alvo da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, deflagrada em 2012.
O serviço de espionagem, inclusive com grampos ilegais, colocou em Dadá a alcunha de “araponga do Cachoeira”, condição que ainda lhe rende revés judicial. O sargento foi condenado a 19 anos e três meses de prisão por crimes como corrupção ativa, organização criminosa e violação de sigilo funcional. Só ficou atrás das grades por 96 dias.
A volta aos serviços de inteligência, agora com um CNPJ, foi concretizada depois de ele ter sido beneficiado por uma decisão judicial. Em 28 de fevereiro, o ministro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acolheu um pedido da defesa do sargento e determinou a devolução do processo dele ao primeiro grau da Justiça Federal em Goiás. A condenação não foi anulada, mas o juiz deverá refazer os cálculos da pena, o que não tem prazo para ocorrer. Quando a nova punição for apresentada, Dadá terá novamente todo o elevador processual para recursos, podendo retardar o cumprimento da pena.
Em julho, foi a vez de Carlinhos Cachoeira ser beneficiado por decisão do ministro do STJ e ver a condenação voltar ao primeiro grau para recontagem da pena. A reportagem fez contato com uma das advogadas do empresário que disse que o consultaria, mas não deu retorno até o fechamento desta reportagem.
Questionado sobre eventuais medidas contra as decisões do STJ, o Ministério Público Federal de Goiás não se manifestou.
Na Operação Monte Carlo, a polícia desarticulou um esquema de corrupção e exploração de máquinas caça-níqueis e jogos de azar em Goiás e no Distrito Federal. A investigação avançou e apontou vínculos do esquema com políticos como o então senador Demóstenes Torres e com integrantes dos governos de Agnelo Queiroz (PT), no DF, e com o de Marconi Perillo (PSDB), no Goiás.
Ao Estadão, Agnelo disse que Dadá, Cachoeira e o grupo criminoso tentaram lhe destruir. “Queriam desestabilizar o governo porque não tiveram acesso a negócios na coleta de lixo como anteriormente. Colocamos fiscalização rigorosa. Fui violentamente atacado por esse grupo criminoso. Felizmente, não vingou. A investigação da PF mostrou isso”, comentou.
Perillo afirmou que não conhece Dadá nem tem qualquer relação com a operação Monte Carlo.
O ‘modus operandi’ reeditado
Hoje, Idalberto Araújo, o Dadá, peregrina por gabinetes usando um modus operandi semelhante ao que adotava na década passada: ele assume a liderança de uma discreta entidade de classe e, com uma pauta sindical debaixo do braço, fica respaldado para solicitar e ser recebido para as agendas.
Antes, era a Associação Brasileira dos Trabalhadores em Limpeza Urbana (Asbalurb). Hoje, ele responde pela Associação Nacional do Quadro Especial da Aeronáutica (Anquea), que diz representar 10,2 mil militares.
Polêmicas com dossiê para campanha de Dilma e aliança com delegado
Além da Operação Monte Carlo, o sargento Dadá também apareceu em outras duas crises políticas. Em 2010, foi escalado para trabalhar na elaboração de um suposto dossiê para a campanha de Dilma Rousseff (PT) contra o então governador de São Paulo, José Serra, familiares e aliados dele.
O material seria usado na campanha eleitoral daquele ano. Em entrevista à Revista Veja, o delegado aposentado da PF Onésimo Sousa, a quem Dadá responderia, disse que o serviço também envolveria a identificação de um suposto petista sabotador dentro do núcleo de Dilma.
“Queriam que a gente identificasse a origem de vazamentos que estavam acontecendo dentro do comitê. Havia suspeita de que um dos coordenadores da campanha estaria sabotando o trabalho da equipe. Depois, queriam investigações sobre o governador José Serra (PSDB-SP) e sobre o deputado Marcelo Itagiba (PSDB-RJ). Era para levantar tudo, inclusive coisas pessoais”, disse.
Àquela altura, Dadá já tinha um longo currículo em serviços de inteligência. Foram mais de duas décadas no departamento de inteligência da Aeronáutica, como agente de campo. Um trabalho que lhe deu acessos e contatos que mais tarde fizeram dele um agente cobiçado em Brasília pelo submundo do poder.
Policiais federais do serviço oficial também recorriam aos préstimos do militar tanto para missões oficiais quanto para disputas internas. Dadá auxiliou, por exemplo, o então delegado Protógenes Queiroz na Operação Satiagraha, deflagrada em 2008, que mirou personagens como o banqueiro Daniel Dantas.
A condução dos trabalhos resultou na abertura de uma CPI contra o que foi classificado como proliferação de interceptações ilegais e mercado clandestino de espionagem. Dadá foi chamado duas vezes para prestar depoimentos e acabou indiciado por vazamento de informações sigilosas.
Fonte: Agência Estado
Foto: Ed Ferreira/AE