COMBATE À CORRUPÇÃO: O que diz o livro que Moro levou a encontro com Bolsonaro

COMBATE À CORRUPÇÃO: O que diz o livro que Moro levou a encontro com Bolsonaro

Em 6 anos atrás 987

As ‘Novas Medidas Contra a Corrupção’ foram elaboradas pela Transparência Internacional e pela FGV – entenda o que elas dizem e se poderiam ser aplicadas pelo Ministério da Justiça ‘encorpado’ de Moro.

E esteve: logo após a reunião, o juiz afirmou que “a perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado” no Executivo foi o que o levou a aceitar o convite, apesar de sentir “um certo pesar” ao abandonar sua carreira e de já ter dito no passado que não pretendia entrar para a política.

O livro exibido por Moro não é um manual de Direito: é um conjunto de medidas para combate à corrupção propostas pela Ong Transparência Internacional em parceria com a FGV (Fundação Getulio Vargas).

Foi elaborado após o conjunto de propostas conhecido como “Dez Medidas Contra Corrupção”, encampadas por um setor do MPF (Ministério Público Federal), gerar discórdia no meio jurídico e ser enterrado pelo Legislativo.

Com ampla discordância sobre sua eficácia real e respeito às garantias constitucionais, o projeto acabou sendo desfigurado pela Câmara dos Deputados e desde então não avançou mais no Congresso.

O projeto da Transparência Internacional das Novas Medidas Contra a Corrupção é apresentado com um nome que dialoga com o projeto anterior do MPF, mas é mais amplo, tem origem e elaboração distintas e muitas diferenças no conteúdo.

“Consideramos que (a apresentação das dez medidas) foi um momento importante para trazer o foco do debate pra soluções e reformas, mas (o projeto) tinha problemas de conteúdo e limitação da origem”, afirma Bruno Brandão, diretor executivo da Transparência Internacional no Brasil e um dos organizadores nas Novas Medidas.

“(O projeto anterior) teve origem apenas no Ministério Público, que tem legitimidade para participar da discussão, mas não pode ser a única visão para orientar esse debate.”

As novas medidas reunidas no livro que Moro carregava foram elaboradas, diz Brandão, após um processo de consultas às instituições públicas e à sociedade civil brasileira.

“Foram ouvidas mais de 370 instituições. Convidamos procuradores, advogados, juízes, gestores públicos, ativistas, empresários e acadêmicos – muitas vezes contrapondo visões.”

O que dizem as novas medidas e qual sua eficácia? E qual a chance de elas serem levadas em consideração em um ministério de Moro ou serem aplicadas no futuro governo?

Novidades

O novo pacote é dividido em doze áreas de atuação, com a proposta de 70 medidas. Segundo Brandão, uma das principais diferenças das novas medidas em relação às antigas dez medidas do Ministério Público é o fato de que a Transparência Internacional trouxe mais propostas de caráter preventivo, enquanto as dez medidas eram muito focadas apenas na questão da punição.

“Nosso sistema jurídico é disfuncional, pois há um punitivismo exacerbado do pequeno e vulnerável e impunidade dos ricos e poderosos”, afirma Brandão.

“Também tratamos da punição, mas é preciso acabar com a impunidade de crimes de corrupção sem acentuar a punição indevida nem atrapalhar as garantias constitucionais e o devido processo legal.”

Os dispositivos mais criticados das dez medidas do MPF foram excluídos do novo projeto.

Entre eles estavam a aceitação pela Justiça de provas obtidas ilegalmente, restrições para obtenção de habeas corpus (dispositivo para impedir prisões ilegais) e criação de “teste de integridade” para funcionários público.

“Eram medidas que vão totalmente de encontro ao que o país quer combater”, afirma o criminalista Fábio Tofic Simantob, presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa).

“O nome era ‘dez medidas’, mas o que se propunha na verdade era o cerceamento de toda forma que a defesa tinha de denunciar abusos do Estado. Retirava do cidadão o poder.”

“Não podemos esquecer que a corrupção é filha do arbítrio. A melhor forma de combatê-la é através de métodos de fiscalização e controle dos atos dos agentes do Estado, incluindo membros do MP.”

Brandão afirma que formas de responsabilização de agentes do Estado estão contempladas nas novas medidas: há uma que sugere atualização da Lei de Abuso de Autoridade, para responsabilizar agentes públicos que abusarem de seus poderes, e outra que propõe uniformização do regime disciplinar do Ministério Público, para melhor combater desvios na instituição.

O IDDD foi uma das entidades ouvidas pela Transparência Internacional para elaborar as propostas. “Tentamos ser abertos a críticas e diferentes visões, mesmo que o resultado não necessariamente tenha sido um consenso”, diz Brandão.

Prevenção e punição

Entre as frentes de atuação de caráter mais preventivo estão a criação de sistemas, conselhos e diretrizes nacionais anticorrupção; o aumento da participação e controle social; medidas anticorrupção para eleições e partidos políticos; medidas anticorrupção no setor privado, entre outras.

Dentro dessas frentes, as propostas concretas incluem:

– O uso de novas tecnologias para tornar a Câmara dos Deputados mais transparente e acessível à participação popular;

– A criação de uma política nacional de dados abertos e o aperfeiçoamento da Lei de Acesso à Informação, ambos ampliando a transparência dos dados públicos;

– A regulamentação do lobby;

– A exigência de compliance em grandes licitações

O pacote também tem blocos de propostas para melhorar a investigação, para criar instrumentos de recuperação do dinheiro desviado e para o “aprimoramento da resposta do Estado à corrupção no âmbito penal e processual penal”. Estão entre as propostas concretas:

– Aumento de penas para crimes de corrupção

– Aperfeiçoamento da cooperação jurídica internacional

– Pedidos de explicação de riqueza incompatível de servidores públicos, que permitem que um juiz notifique uma pessoa para que ela explique a propriedade de valores que sejam incompatíveis com os seus rendimentos e capacidade econômica conhecidos

– Redução do foro privilegiado

Debate

As frentes de atuação para ampliar a prevenção e fiscalização foram ponto de concordância entre a Transparência Internacional e entidades importantes da área criminal, como o IDDD e o IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), que também foi ouvido durante o processo de criação das medidas.

“O que for no sentido de ter mecanismos de controle e canais de denúncias e de limitar o poder do agente público está no caminho certo”, afirma Tofic, o IDDD.

No entanto, a frente de atuação na questão penal gerou mais divergência entre a Ong organizadora das medidas e as entidades ouvidas.

“Nossa posição (sobre o novo pacote de medidas da Transparência Internacional) continua sendo a mesma (que era em relação às dez medidas do MPF): que o conjunto das propostas não é positivo”, afirma o criminalista Cristiano Maronna, presidente do IBCCrim.

“Na parte extapenal há muitos avanços positivos. Em relação às propostas para área criminal, eu entendo que são ruins e seguem a mesma direção. Os absurdos maiores foram suprimidos, mas as medidas continuam em um modelo de expansão do direito penal como forma de combater a corrupção.”

Segundo Maronna, isso gera um enorme risco de comprometer o devido processo legal, o direito de defesa e ferir garantias constitucionais.

“É preciso ampliar a eficiência do Judiciário mais através de reformas administrativas do que com alterações no códigos penal e de processo penal”, defende Tofic. “A justiça criminal precisa ser usada de forma mais eficiente, mais criteriosa, com melhor gestão de recursos.”

“Esse discurso contra a corrupção em momentos de autoritarismo é sempre usado como recurso para passar por cima de direitos, das pessoas e das instituições”, afirma o criminalista.

Segundo Brandão, as novas medidas foram elaboradas com cuidados para que as mudanças penais sejam aplicadas em relação aos crimes de corrupção. “Na parte penal, é possível prevenir que isso afete pessoas vulneráveis a um excesso de punitivismo do sistema focando nos crimes de colarinho branco”, afirma.

“A prisão é importante, em determinados casos, até porque a multa pode ser precificada – o agente já pode colocar a multa no cálculo de risco, enquanto a prisão tem um efeito dissuasivo”, diz.

Maronna defende que a atual legislação penal já vem cumprindo esse papel. “A Operação Lava Jato foi inteira feita com base na legislação atual”, afirma.

Na prática

Mas afinal, qual a chance de Sergio Moro implantar as medidas como futuro ministro da Justiça?

O cientista político Carlos Pereira, professor da FGV no Rio de Janeiro, afirma que Moro teve uma ação “muito robusta” em defesa das Dez Medidas de Combate à Corrupção do Ministério Público e que o livro com as Novas Medidas Contra a Corrupção deve ser parte de sua agenda “que está sendo trabalhada no combate à corrupção”.

“Acho que aquilo vai ser a cartilha dele”, afirma Pereira.

Mas mesmo que Moro tenha de fato a intenção de usar as Novas Medidas Contra a Corrupção como um guia, ele não poderia implantar tudo unilateralmente. Segundo a própria Transparência Internacional, boa parte das propostas não está no âmbito de decisão do ministério da Justiça, ou seja, precisariam ser aprovadas pelo Congresso Nacional.

“A ideia do projeto era realmente ter uma agenda para o país, com conteúdo e propostas, para não ficar só olhando para trás. Apresentamos visões diferentes para que sejam debatidas também pelo legislador”, afirma Brandão, da Transparência Internacional.

“Isso está entregue para a sociedades. A ideia é que as medidas sejam realmente apropriadas pela sociedade, que sirvam como referência para o legislador.”

Pereira acredita que há boas chances de aprovação das medidas e vê isso com otimismo. “O Congresso eleito tem um perfil alinhado com o governo, que terá chance de montar uma coalizão ampla para aprovar suas propostas. Se o Moro tiver quarta branca pra implementar sua agenda, isso passa por uma reforma que inclui a passagem dessas questões pelo Congresso”, afirma.

Entidades como o IBCCrim e o IDDD pregam cautela. “É preciso ter um pouco de cuidado e lembrar que a corrupção é um mal que nasce do próprio Estado. Não podemos ampliar demais os poderes dos agentes do Estado e tirar o poder do cidadão”, diz Tofic.