Um ano após STF impedir veto a tatuagem, Marinha, bombeiros e polícias militares barram tatuados

Um ano após STF impedir veto a tatuagem, Marinha, bombeiros e polícias militares barram tatuados

Por Elison Silva - Em 7 anos atrás 1166

Em 2008, depois de passar nas primeiras etapas do concurso para bombeiro militar em São Paulo, Silveira foi barrado na avaliação médica, porque a tatuagem ficaria visível quando usasse o uniforme de treinamento físico.

Inconformado, ele entrou na Justiça contra a decisão e o caso acabou chegando ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em agosto de 2016, por 7 votos a 1, o STF decidiu que editais de concurso público não podem barrar candidatos tatuados.

Os ministros entenderam que, em qualquer seleção para cargo público, tatuagens só podem ser restringidas em casos excepcionais, se violarem valores constitucionais ou incitarem à violência. E a decisão recebeu a chamada “repercussão geral”, ou seja, deve valer para todos os processos semelhantes em tramitação no país.
Image caption Tatuagem de rosto de ‘mago’ fez com que Silveira, então aspirante a bombeiro, fosse barrado na avaliação médica | Foto: Arquivo pessoal

Mas entre o dia em que os ministros proferiram o voto, a publicação do veredito e a execução da sentença se passou um ano. Para Henrique, o efeito prático da vitória no tribunal só veio recentemente, em 16 de agosto de 2017, quando foi admitido de vez no Corpo de Bombeiros de Piracicaba (SP).

Enquanto isso, os editais para concurso público da Marinha, bombeiros e polícias militares de mais de 10 Estados continuam a vetar candidatos por terem alguma tatuagem aparente ou impõem restrições genéricas além das elencadas pelos ministros do Supremo na decisão de 2016, conforme levantamento da BBC Brasil.

Alguns editais impedem, por exemplo, tatuagens que firam a “estética militar” ou que contrariem “a moral e os bons costumes”. Outros proíbem qualquer tatuagem visível.

Marinha: veto total a tatuagens visíveis

As tatuagens foram introduzidas nos países ocidentais por volta do século 18 por viajantes e marinheiros. Personagem clássico de desenho animado difundido no Brasil e no mundo, o marinheiro Popeye ostenta duas âncoras nos braços.

Ainda hoje, marinheiros são associados a tatuagens no imaginário popular. Mas, “na vida real”, não é bem assim. Das Forças Armadas brasileiras, a Marinha é justamente a mais rígida com candidatos tatuados.

O último edital para o curso de fuzileiros navais, publicado em fevereiro deste ano, veta qualquer tatuagem que não fique oculta sob o uniforme de treinamento.

À BBC Brasil, a Marinha informou que dois candidatos foram barrados neste último concurso por possuírem tatuagens visíveis.

Questionada se a decisão não estaria em desacordo com a posição do Supremo, a Marinha argumentou que tatuagens aparentes violam “os princípios constitucionais da hierarquia e disciplina” e que estes princípios são a “base institucional das Forças Armadas”.

Mas o relator da ação do STF, ministro Luiz Fux, especificou, em seu voto, que só podem ser vetadas em concursos públicos, inclusive para as Forças Armadas, tatuagens com “obscenidades, ideologias terroristas e que preguem a violência ou a discriminação de raça, credo, sexo ou origem”.

Na visão de Fux e da maioria do Supremo, o que viola a Constituição é impedir o ingresso de alguém em qualquer serviço público por possuir uma tatuagem aparente.

“Não há espaço, atualmente, para a exclusão de um concurso de determinada pessoa que quer e pode exercer sua liberdade de expressão por meio de uma tatuagem”, disse Fux.

Já a Força Aérea Brasileira informou à BBC Brasil que só veta tatuagens com conteúdos que violem valores democráticos. O Exército informou que a tatuagem é aceita pela Comissão de Seleção do Exército Brasileiro, desde que “não seja ofensiva ou preconceituosa, sem palavrões ou suásticas”.
Direito de imagem Getty Images

Polícias militares

Ter tatuagem também continua sendo fator impeditivo para integrar as polícias militares de diversos Estados, apesar da decisão do Supremo. Editais de 2016 e 2017 de cinco Estados – Acre, Goiás, Paraná, Amapá e Pará – fazem restrições a tatuagens visíveis.

Edital de 2 de março deste ano para soldado da PM do Acre, por exemplo, classifica como “condição incapacitante” a existência de “tatuagens em extensas áreas do corpo de forma que fiquem expostas ao público quando do uso de uniformes militares de qualquer modalidade”.

Em edital de julho de 2017, a PM do Amapá faz menção semelhante – que impede a admissão de candidatos que apresentem, “quando em uso dos diversos uniformes, tatuagem visível que, por seu significado, seja incompatível com o exercício da atividade militar”.

Edital de 6 de setembro de 2016 para policial militar em Goiás, cita a existência de tatuagens, de forma genérica, no anexo que elenca “alterações incapacitantes e fatores de contraindicação para admissão”.

Já a PM do Paraná, em edital também publicado neste ano, faz uma restrição genérica, citando a “estética militar”: “Será considerado inapto o candidato portador de tatuagem em áreas visíveis, que não esteja protegida pelo uniforme de treinamento físico (composto por camiseta meia manga, calção, meias curtas e calçado esportivo) e seja contrária à estética militar.”