Como o sexo se tornou tabu na Índia, o país do Kama Sutra e dos templos eróticos
Por Elison Silva - Em 7 anos atrás 1421
A celebração do Dia dos Namorados (ou Dia de São Valentim) causa tumultos todos os anos na Índia. De um lado, os namorados que não veem nada de mal em demonstrações públicas de afeto como trocar rosas e andar de mãos dadas. De outro, patrulhas formadas por hindus radicais que creem se tratar de uma falha moral grave, e que se dedicam a intimidar os casais.
A ação desses autoproclamados patrulheiros da moral contrasta com a ideia que muitos têm da Índia fora do país. Basta pensar que se trata do berço do Kama Sutra e lar de uma rica tradição em esculturas eróticas.
“Na cosmovisão indiana, o universo foi criado pelo desejo cósmico. A sensualidade é parte do sagrado”, diz a historiadora da religião Madhu Khanna.
O prazer como um sentido da vida
Ela explica que o prazer é cultivado e parte do propósito da vida humana e de sua transcendência. “A sensualidade não é algo para se envergonhar, muito pelo contrário. Tem um papel muito importante para os indianos. Não apenas no sexo, mas como uma estética da vida”, diz Khanna.
Foi neste contexto que surgiram na Índia expressões de sensualidade que seriam impensáveis em outras culturas, inclusive para os ocidentais de hoje em dia.
O Kama Sutra, manual de práticas eróticas, foi compilado no século 3. E fala de práticas ainda mais antigas. “Kama, em sânscrito, não significa sexo, e sim prazer, desejo”, diz Nybdi Aditya Haksar, autor de uma tradução do livro.
O livro se concentra na busca por prazer em cada aspecto da existência. Haksar contextualiza: “Esta busca (pelo prazer) é apenas um dos três princípios da vida humana. Os outros são a busca da bondade e da virtude, e a busca da prosperidade e da riqueza”, diz ele.
Relevante até hoje
Dos sete capítulos que compõem o Kama Sutra, somente o segundo trata de sexo, propriamente. “É muito gráfico, explica com grande detalhe as posições que podem ser usadas na relação sexual”, diz Haksar (serviço em língua espanhola da BBC).
Sandhya Mulchandani, autora do livro O Kama Sutra para Mulheres, diz que apesar de algumas das posições parecem estranhas, muitos dos princípios do livro continuam válidos em nossos dias. “É um livro muito moderno em vários aspectos. Por exemplo, reconhece o desejo da mulher e o fato de que elas podem tomar o controle em uma relação sexual”, explica.
“O Kama Sutra é como uma revista que ensina os rapazes a ir a um encontro. Diz como comportar-se, recomenda que tomem banho, ponham roupas limpas, cortem as unhas, e mais importante, a escutar a mulher e não ser egoísta”, diz ela.
Mulchandani diz que o Kama Sutra só poderia ter surgido em uma cultura muito madura e tolerante, em que “se celebra a vida em toda a sua glória”.
Templos eróticos
Outra evidência desta abertura sexual no passado da Índia são os templos de Khajuraho.
As impressionantes esculturas em pedra de Khajuraho continuam espantando – e encantando – os visitantes nesta cidade na região central da Índia. Algumas representam ninfas voluptuosas em poses sugestivas. No entanto, outras mostram casais em posições sexuais incríveis e acrobáticas.
“São poucos os templos que têm essas esculturas eróticas. Representam posições sexuais como outras obras, de outras culturas, mostram homens em guerra”, explica Haksar.
Assim como outros especialistas, Haksar diz que é errada a crença popular de que a repressão sexual na Índia começou quando ela esteve sob o domínio muçulmano, que perdurou por quase 300 anos. “O Império Mogol (do início do século 16 a meados do século 19), apesar de não ser tão aberto, permitiu o florescimento cultural da Índia e avalizou um grande refinamento nas artes”, diz a historiadora Khanna.
Ness período, os governantes eram islâmicos, mas isso não interferiu na vida diária dos habitantes da Índia. “A cultura islâmica teve momentos de maior abertura. Na Índia, a poesia persa produzida durante o período mogol, apesar de falar sobre a divindade, possui uma carga homoerótica”, diz Saleem Kidwai, especialista em história medieval e coautor do livro Amor Homossexual na Índia.
Redação e BBC Brasil