Não se influencie pelas publicações das redes sociais: Médicos alertam sobre falsos 'diagnósticos' de déficit de atenção

Não se influencie pelas publicações das redes sociais: Médicos alertam sobre falsos ‘diagnósticos’ de déficit de atenção

Por Edmilson Pereira - Em 2 anos atrás 851

“Você vive perto de uma pessoa que é muito ‘desligada’ e que esquece as coisas? Ela tem TDAH e não sabe.” Essas frases, que não têm validade científica, foram ditas por um influencer no TikTok, em um vídeo sobre Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade com mais de 5 milhões de visualizações.

Especialistas advertem: se você se guiar só pelas redes sociais, é capaz de concluir que tem o distúrbio – e correr o risco de se automedicar, ficar mais ansioso ou acreditar em tratamentos ineficazes.

Um estudo de 2021, publicado pela Associação Canadense de Psiquiatria, analisou os 100 vídeos sobre o assunto com mais visualizações no TikTok e concluiu que metade deles tinha dados falsos. Só 21% eram úteis para informar o público sobre o transtorno.

Nesta reportagem, após ouvir quatro cientistas, o g1 esclarece o que é, de fato, sintoma de TDAH e quais são as formas corretas de diagnóstico e tratamento. Será que alguém distraído necessariamente tem déficit de atenção? É verdade ou mentira que essas pessoas correm maior risco de depressão, uso de drogas e envolvimento em acidentes de trânsito?

Abaixo, descubra as respostas:

A assessoria de imprensa do TikTok afirma que a empresa se orgulha de ter se tornado um ambiente “onde as pessoas podem compartilhar experiências sobre saúde mental”. Diz também que a rede encoraja a busca por um profissional qualificado para receber um diagnóstico.

O que é TDAH? Quais os sintomas?

É um transtorno do neurodesenvolvimento de base genética que afeta, no mundo, 5,3% das crianças e adolescentes e 2,5% dos adultos.

São três sintomas principais, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), da American Psychiatric Association: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Eles aparecem em níveis acentuados, de modo frequente e em pelo menos duas situações (como em casa e na escola).

Antes de ver exemplos, não esqueça: manifestar esses sinais não significa necessariamente que você tenha TDAH.

“Podem ser apenas traços de personalidade, por exemplo. Só é um transtorno quando há impacto importante na qualidade de vida da pessoa”, afirma Felipe Barros, neurologista do Hospital Sírio-Libanês (SP).

  • Exemplos de desatenção

Na infância: É mais difícil manter a concentração e não se distrair com estímulos secundários. Por exemplo: a criança está desenhando no caderno, quando o coleguinha derruba um lápis no chão. Pronto, todo o foco dela é transferido para esse lápis que caiu. Ao ler, ela pula linhas sem perceber. Tem dificuldade de acompanhar instruções e de terminar tarefas, e perde objetos com frequência.

Na vida adulta: “A pessoa pode se esquecer de pagar uma conta ou de buscar o filho na escola. Começa uma tarefa, faz uma pausa para responder a alguém, e aí não termina o primeiro trabalho”, explica Guilherme Polanczyk, psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

  • Exemplos de hiperatividade e impulsividade:

Na infância: Na escola, a agitação constante não permite que a criança fique sentada na cadeira por muito tempo, por exemplo. Tem dificuldade para brincar de forma tranquila, movimenta-se como se estivesse “ligada na tomada”, fala muito e não consegue aguardar sua vez.

Na vida adulta: “Em geral, há uma internalização desse sintoma. A pessoa fica mais impaciente ou mexe muito os pés e mãos”, afirma Claudia Berlim de Mello, professora adjunta do departamento de psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

É comum também responder a perguntas de modo abrupto ou interromper os colegas em um diálogo.

ESTÁ NAS REDES, MAS NÃO É VERDADE: “Os sintomas aumentam na puberdade.”

A oscilação de humor pode acontecer na adolescência de qualquer pessoa, mas o cérebro não vai sofrer alterações que levarão a uma maior desatenção, esclarece Polanczyk. “Essa impressão pode vir talvez pelo aumento da demanda, porque a escola vai ficando mais difícil.”

Alguém deixa de ter TDAH ao longo da vida?

Não. “O diagnóstico não some – é uma condição de desenvolvimento”, afirma Mello, da Unifesp. “O que acontece é que, na vida adulta, a pessoa vai aprendendo a lidar com suas condições e desenvolve mecanismos para organizar suas tarefas e administrar o tempo. Essas habilidades são fruto da intervenção precoce [por terapia e/ou medicamento].”

Além disso, há ainda o desenvolvimento do cérebro, que leva a uma diminuição dos sintomas. A tendência é que o quadro melhore com o tempo, mas há exceções – na menopausa, por exemplo, episódios depressivos ou de desatenção acentuada podem se acentuar.

ESTÁ NAS REDES, MAS NÃO É VERDADE: “Toda criança que não para quieta tem TDAH.”

Um estudo feito por cientistas de universidades de Minas Gerais, publicado em 2021 no “Brazilian Journal of Surgery and Clinical Research”, afirma que cerca de 90% das crianças entre 3 e 5 anos podem ter agitação psicomotora. “Ela tenderá a desaparecer com a maturação do sistema nervoso, mas é muitas vezes confundida com distúrbios [como TDAH]”, afirma o artigo.

Todo paciente com TDAH é igual?

Não. A pessoa com TDAH não necessariamente apresentará todos os sinais acima. São três grupos, de acordo com o DSM-5:

  • TDAH com predomínio de sintomas de desatenção;
  • TDAH com predomínio de sintomas de hiperatividade/impulsividade;
  • TDAH “combinado” (com desatenção e hiperatividade/impulsividade).

“Existe uma variabilidade grande [de quadros]. Há quem seja mais desatento, com dificuldade de aprendizagem, e quem seja mais impulsivo e busque intensamente as sensações de prazer”, explica Polanczyk, da USP.

 Fonte: Portal G1