Um ano com Covid: saiba mais sobre os casos persistentes da doença que têm intrigado especialistas

Um ano com Covid: saiba mais sobre os casos persistentes da doença que têm intrigado especialistas

Em 2 anos atrás 381

O infectologista Luke Snell, médico dos hospitais Guy’s e St Thomas’, ligados ao Serviço de Saúde do Reino Unido, acompanhou ao longo de 411 dias um paciente que não conseguia se livrar da Covid-19. O homem de 59 anos — agora recuperado — viveu a situação delicada por uma questão prévia de saúde: anteriormente, passou por um transplante no rim. Trata-se de um procedimento que necessariamente requer o enfraquecimento do sistema de defesa do corpo, para evitar rejeições.

— Esse paciente, em específico, teve uma doença bastante moderada. Tão contida que muitas pessoas nem notariam que estariam com Covid-19. Era algo como um nariz escorrendo, poderia ser qualquer coisa, mas era o coronavírus — diz Snell.

O caso chama atenção porque, em geral, os quadros de Covid-19 têm fim em prazo curto, algo próximo a duas semanas, e exemplos de persistência são pouco conhecidos — sobretudo em uma duração tão prolongada. Um estudo brasileiro, realizado por pesquisadores da Plataforma Científica Pasteur-USP apontou que apenas 8% dos infectados podem apresentar a doença no organismo por mais de dois meses.

No caso do paciente no Reino Unido, a doença foi identificada inicialmente em dezembro de 2020. Ele manteve-se positivado para o vírus até janeiro de 2022 — quando foi submetido ao tratamento com o coquetel de anticorpos monoclonais (feitos em laboratório) da empresa Regeneron, o mesmo usado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. E que agora está em desuso por perder potência diante das novas variantes.

— É delicado tratar uma pessoa que passa tanto tempo com Covid-19. É difícil pedir para alguém ficar em casa, isolado, por 411 dias. Em geral orientamos que essas pessoas usem máscaras, lavem as mãos e adotem outras medidas de prevenção à doença — diz o infectologista.

O especialista explica que quadros como esse dizem respeito mais ao paciente em questão do que à variante em circulação. Trata-se, portanto, de uma dificuldade do sistema imunológico daquele indivíduo em combater a doença. Embora não seja um quadro comum, é possível que esse tipo de comportamento da doença seja mais prevalente do que se imagina, acredita Snell.

— Acho que não sabemos quais são as chances de desenvolver uma infecção persistente porque não temos dados. Não temos testagem regular o suficiente dos indivíduos em risco para saber o que de fato ocorre — avalia.

O caso do homem transplantado é o mais longo em que o paciente sobreviveu à infecção, acredita o médico. A doença foi causada por uma variante anterior à Alfa, que se disseminou no Reino Unido em 2020. Também em um grupo de estudos do qual o especialista faz parte, foi identificado outro caso de Covid-19 de longuíssima duração: o paciente conviveu com a doença por 505 dias, mas morreu em 2021.

Estudo no Brasil

Há ao menos um caso persistente de Covid-19 estudado no Brasil. Trata-se de um paciente que totalizou 232 dias de infecção. Ele também tem diagnóstico positivo para o vírus HIV — mas estava com os exames e medicações em dia. O quadro foi estudado por pesquisadores da Pasteur-USP.

— Acompanhamos pacientes ao longo de toda a primeira onda de Covid-19. Identificamos que por volta de 8% tiveram um comportamento atípico (prolongado) da doença. Depois que publicamos esse material, recebemos mensagens de diversas pessoas que relatavam estar positivos (por muito tempo). Esses pacientes tinham problemas imunológicos — diz Marielton Cunha, virologista e um dos autores do estudo.

Salmo Raskin, geneticista e diretor do Laboratório Genetika, em Curitiba, explicou que, embora raros, casos do tipo são de extrema importância para acompanhamento. Justamente por acreditar que possam ser atalhos para o aparecimento de variantes mais potentes, como a Ômicron, cuja transmissibilidade causou picos da doença.

— São ocorrências raras. Em geral, ou a pessoa mata o vírus ou o vírus mata a pessoa. Com falhas na defesa imunológica, não se consegue combater o vírus, que assim é capaz de alterar seu código genético. É como se fizesse dentro do corpo o que faz no ar, em termos de mutações — diz Raskin. — A principal hipótese para explicar a Ômicron é um caso desses, porque a linhagem não é derivada das anteriores Alfa, Delta, Gama e Beta. Convém monitorar esses casos.

Fonte: Jornal O Globo

Foto: Divulgação