Direito à terra: MPF pede à Justiça conclusão imediata da demarcação do território indígena Tabajara na Paraíba
Por Edmilson Pereira - Em 2 anos atrás 368
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou, nesta quarta-feira (24), uma ação com pedido de liminar para que a Justiça Federal (JF) determine à União e à Fundação Nacional do Índio (Funai) que concluam imediatamente a demarcação das terras indígenas Tabajara, localizadas no litoral sul da Paraíba.
A ação também requer que seja determinado ao município de Conde (PB) que não mais autorize a instalação de empreendimentos imobiliários nas terras tradicionais reivindicadas pelo remanescente do povo Tabajara. A inserção da ação no sistema Pje (Processo Judicial Eletrônico) ocorreu durante reunião com participação de indígenas da etnia Tabajara, no auditório do MPF, em João Pessoa.
“Há pelo menos 29 anos, o novo Estado brasileiro deve aos Tabajara a devolução de suas terras tradicionais”, argumenta o procurador da República José Godoy Bezerra de Souza na ação. O período mencionado é uma referência ao artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que determinou que a União concluísse a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. O prazo venceu em 5 de outubro de 1993. “A bem da verdade, findo o prazo estabelecido pela Constituição Federal, restou concretizado o direito público subjetivo dos Tabajara de verem suas terras devidamente demarcadas”, observa o procurador.
Informe técnico, produzido em 2017 por grupo técnico responsável pela realização de pesquisas e elaboração de Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena (RCID), registrou que as áreas de ocupação Tabajara compreendem “os limites dos rios Gramame, ao norte; Abiaí, ao sul; o Oceano Atlântico, a leste; e a BR 101, a oeste”. O informe também registrou que, apesar de ser identificado como área de uso indígena, após a Lei de Terras, de 1850, o território dos Tabajara foi sendo gradativamente ocupado e legalizado pelo Estado e “os indígenas foram confinados a uma pequena porção territorial no interior da Jacoca, tendo redução territorial expressiva de fora para dentro.”
Estudo antropológico coordenado pelo doutor e mestre em antropologia social, Fabio Mura, atesta que a luta dos Tabajara pela terra remonta ao ano de 1614, quando se efetivou a concessão das terras da Sesmaria dos índios de Jacoca (atual município de Conde). A pesquisa revela que, ao longo dos séculos, os Tabajara também foram denominados Potiguara, brasilianos, índios de língua geral, caboclos de língua geral, índios da Jacoca e índios de Conde. O estudo também permite inferir que os índios aldeados na Jacoca são os Tabajara, já que alegavam ter auxiliado os portugueses nas lutas contra os Potiguara, quando da conquista da capitania, nas últimas décadas do século XVI.
Quase extintos – Ao longo dos últimos três séculos, os Tabajara quase foram extintos. Em decorrência das constantes ameaças à relação com a terra tradicional, eles ainda enfrentam dificuldades em manter a forma própria de organização social e passar para as próximas gerações os seus costumes, suas línguas, suas crenças e tradições. “Como consequência, muitas famílias indígenas desaldeadas têm visto seus filhos tornarem-se ‘favelados’ nas periferias de João Pessoa, desapossados de suas terras tradicionais”, relata a ação ajuizada.
Hoje, o remanescente Tabajara é formado por cerca de mil pessoas (afora aqueles ainda não identificados), situados no município de Conde, onde vivem em três aldeias: Vitória, Gramame e Nova Conquista, nas quais mantêm ainda a luta histórica pela demarcação. Em 14 de março de 2008, os Tabajara enviaram à Funai a Declaração de Autoidentificação com histórico de sua ocupação no Litoral Sul da Paraíba e solicitaram a criação de um grupo de trabalho para realizar os estudos técnicos necessários à regularização fundiária das Terras Indígenas Tabajara, incidentes nas antigas sesmarias da Jacoca e Aratagui.
Omissão inconstitucional – O MPF acompanha a luta dos Tabajara pela recuperação do território tradicional desde 2011, por meio do Inquérito Civil Público de nº. 1.24.000.001488/2011-66, além de outros dois inquéritos (1.24.000.000032/2015-11 e 1.24.000.002126.2018-69), em que se discutem agressões aos direitos territoriais da etnia Tabajara, seja pela ação especulativa de empreiteiros locais, ou pela inércia da Funai em promover a demarcação. A ação ajuizada nesta quarta-feira detalha, ano a ano, as tentativas, em vão, do órgão ministerial para fazer andar o procedimento demarcatório da Terra Indígena Tabajara pela Funai.
Para se ter uma ideia da demora, a partir da primeira provocação do MPF, a Funai levou quatro anos apenas para editar a portaria autorizando o início dos estudos de natureza etno-histórica, antropológica, ambiental e cartográfica, “o que, certamente, não é um prazo razoável”, observa o Ministério Público. Essa demora na demarcação traz prejuízos ao remanescente do povo Tabajara, como prejuízos culturais, insegurança alimentar, violência intertribal e insegurança social, decorrente do conflito de terra com os não-índígenas da região, que se arrasta há mais de 300 anos.
O Ministério Público ressalta que a ausência de resolutividade da União e da Funai, aliada à especulação imobiliária, decorrente do crescente avanço do processo de urbanização do litoral sul paraibano, tem atirado os Tabajara para uma condição de marginalização social. O quadro se agrava diante da degradação que empreendimentos imobiliários representam ao meio ambiente na terra indígena.
Omissão municipal – Na ação, o MPF pede que a Justiça determine ao município de Conde que não mais conceda permissão de instalação e casse todas as permissões indevidamente concedidas para empreendimentos imobiliários na área reivindicada pelo povo Tabajara. Em dezembro de 2021, o MPF já havia expedido recomendação ao município para que não autorizasse empreendimentos ou construções, públicos ou particulares, que viessem a descaracterizar o território indígena. O município se esquivou de cumprir a recomendação alegando que apenas poderia criar restrições após a conclusão da demarcação feita pelo órgão competente, a Funai, e que, se cumprisse as medidas recomendadas, acarretaria em restrições administrativas que impediriam o uso e gozo por parte dos atuais proprietários das terras dos Tabajara, o que geraria direitos a indenizações.
Para o MPF, esse posicionamento “desafia os direitos da população Tabajara e beneficia abertamente os empreendedores locais”. Além disso, é uma justificativa que não se sustenta diante do fato de que a demarcação oficial não é quem constitui o direito dos Tabajara à terra expropriada pelos colonizadores, mediante pilhagem, mas apenas declara o direito originário que os indígenas já possuem sobre as terras que tradicionalmente ocupam, conforme dispõe o artigo 231 da Constituição Federal.
Fonte: Paraíba Notícia e Ascom do MPF/PB